Uma visita guiada ao campo de batalha português (1521-1621)

Propomos uma breve visita pelas várias escalas do campo de batalha português da segunda metade do século XVI, tendo como ponto de partida o exemplar mais completo de iconografia militar de origem portuguesa: os frescos da escadaria principal do palácio Ducal de vila Viçosa. Recorrendo ao acervo recolhido pelo projeto “De Re Militari”, apresentam-se os vários componentes bélicos, desde o elemento individual (o soldado), ao aglomerado de indivíduos que, “cada um no seu lugar”, povoam esse exemplar de arquitetura efémera que são os exércitos do início da modernidade europeia.
 
GUIÃO: Uma visita guiada ao campo de batalha português (1521-1621)

Imagem fachada do palácio de Vila Viçosa, seguida dos 3 painéis

Texto a correr por cima das imagens:
Propomos uma breve visita pelas várias escalas do campo de batalha português da segunda metade do século XVI, tendo como ponto de partida o exemplar mais completo de iconografia militar de origem portuguesa: os frescos da escadaria principal do palácio Ducal de vila Viçosa. Recorrendo ao acervo recolhido pelo projeto “De Re Militari”, apresentam-se os vários componentes bélicos, desde o elemento individual (o soldado), ao aglomerado de indivíduos que, “cada um no seu lugar”, povoam esse exemplar de arquitetura efémera que são os exércitos do início da modernidade europeia.

PRIMEIRA PARTE: A pequena escala, soldados e cavaleiros
VOZ sobre a sequência de imagens que se segue: Os soldados portugueses do século XVI, modelados na escola militar espanhola, repartiam-se por duas especialidades, “arcabuzeiros” e “piqueiros”: Os “arcabuzeiros” usavam armas de fogo, designadas por “arcabuzes” ou “mosquetes” (imagens vão correndo):

As imagens seguem com o seguinte texto (sobreposto):
“Os homens de meão corpo e pequenos, está-lhes bem o arcabuz”, Isidoro de Almeida, “O Quarto livro das instruções militares, 1573.
Imagem do 1º fresco, zoom sobre os dois soldados arcabuzeiros (armados com espingardas, 1º plano, esquerda, ao lado da balustrada), fade e passa para segunda imagem (fade in):
Miguel Leitão de Andrada, do geral para o pormenor

Imagens (legenda): Miguel Leitão de Andrada, Miscellanea, 1629 (figura 268, p.402)
Imagens (legendas): arcabuz de mecha, século XVI, Museu militar de Lisboa
Arcabuz de mecha, século XVI, Musée des armes, Fez
Arcabuz de mecha marroquino, século XVI, Musée des armes, Fez

VOZ sobre a sequência de imagens que se segue:: Os “piqueiros”, armados com lanças compridas chamadas “piques”. Usavam na cabeça “celada”, de diversas formas: o “morrião” de crista ou “de bico”, a “borgonhesa” (ou “borguinhota”), o “cabacete”, que reproduzia o chapéu de copa alta muito em voga em finais do século XVI (imagens vão correndo):

As imagens que se seguem têm o seguinte texto (sobreposto):
Aos homens grandes, ou meãos, está-lhes melhor o corsolete com o pique”, Isidoro de Almeida, “O Quarto livro das instruções militares, 1573: 
Imagem do 2º fresco, zoom sobre os soldados com lanças (1º plano, direita)
Imagens (legendas): morrião de crista, século XVI, Musée des armes, Fez
Morrião de crista com esfera armilar, século XVI, colecção Daehnhardt
“Borgonhesa”, século XVI, Museu militar de Lisboa, foto de António Oliveira e Peter Kalkman

Estes soldados protegiam o tronco com o “cossolete” e “espaldar” – peça de armadura da frente e costas do soldado, ás quais se poderiam juntar “braçais” (destinados aos braços), “manoplas” (destinados às mãos) e “escarcelas” (parte superior das pernas).

Imagens: “Cossolete” reforçado, século XVI, Museu militar de Lisboa, foto de António Oliveira e Peter Kalkman
“Cossolete” com “escarcelas”, século XVI, Musée de la Kasbah, Tânger.

VOZ sobre a sequência de imagens que se segue: A posição social e a função militar determinavam a qualidade das armas e armaduras utilizadas. Os fidalgos do topo da hierarquia vestiam-se com peças importadas, produzidas pelos armeiros europeus mais conceituados:

Imagem do 2º fresco, zoom sobre o soldado (oficial) primeiro plano, canto inferior direito
Imagens: (Figura 290 do livro, p.415) legenda: oficial com meia armadura, escudo (“rodela”) e alabarda, Simão Rodrigues e Vieira Serrão, “Calvário”, 1608-1610, Museu Machado de Castro
“Celada” do tipo cabacete, “Cabacete”, século XVI, Museu militar de Lisboa, foto de António
“Cossolete”, “braçais” e “escarcelas”, Museu militar de Lisboa, fotos de António Oliveira e Peter Kalkman
“Rodela” atribuída a D. João III, Knüsthistorisches museum, Viena 
Meia armadura de origem inglesa, finais do século XVI, Palácio ducal de Vila Viçosa

VOZ sobre a sequência de imagens que se segue: Os oficiais que pertenciam à hierarquia mais elevada combatiam, regra geral, a cavalo

Imagem do 1º fresco, zoom sobre o soldado (oficial) primeiro plano, canto inferior direito (livro, figura 282, p.411)
Imagens (legenda): Miguel Leitão de Andrada, Miscellanea, 1629, zoom (figura 261, p.402)
Cavaleiro com armadura completa, finais do século XVI, Gaspar Soares, “Santiago aos mouros”, 1580-1590, Igreja Matriz da Pedreira
Cavaleiro com armadura completa, Diogo Marques e Pêro Vaz Pereira, estátua equestre de D. Sancho II (fonte da Misericórdia), 1622, Elvas
Armadura completa com borgonhesa fechada, Museu militar, Lisboa
“Celada” fechada, atribuída a D. Sebastião, Itália, século XVI, museu militar, Lisboa, fotos de António Oliveira e Peter Kalkman
Estoque, itália, século XVI, Musée des armes, Fez
“Estoque” de D. João Mascarenhas, alcaide-mor de Montemor-o-Novo morto em Alcácer Quibir, século XVI, Centro Interpretativo do Castelo de Montemor-o-Novo

ARNÊS DE D. MANUEL
ENTREVISTA COM A DIRECTORA DOS JERÓNIMOS, PROFESSORA DOUTORA DALILA RODRIGUES sobre a armadura atribuída a D. Manuel, exposta no Claustro

(Reportagem efetuada do dia 28 de Fevereiro de 2021, vídeo em fase de produção)

SEGUNDA PARTE: A grande escala, da formatura ao exército
VOZ sobre a sequência de dos sequência dos 3 frescos:

No seu conjunto, os painéis descrevem os momentos estruturantes do aparato militar, o desembarque, a marcha. Trata-se do que se pode designar como a estrutura do tempo da guerra, na tradição da Antiguidade romana segundo Vegécio: acampamento, marcha e batalha.

Legenda, André Peres (atr.), “Tomada de Azamor”, c.1600, Palácio Ducal de Vila Viçosa, desembarque, marcha e cerco

Primeiro painel, “DESEMBARQUE”
Segundo painel, “MARCHA”
Terceiro painel, “CERCO”

1º painel, texto sobre a imagem
O primeiro fresco descreve o desembarque das tropas comandadas pelo duque de Bragança D. Jaime: vêem-se os “batéis” na praia, donde saem soldados armados e “gastadores” que trazem os canhões; em primeiro plano, o duque supervisiona a operação rodeado pela sua guarda pessoal de “alabardeiros”.

Neste caso, o desembarque corresponde ao acampamento, o primeiro momento vegeciano da guerra, o acampamento, no qual vemos refletida a tradição da Antiguidade, nomeadamente os modelos romanos.

Fade primeiro painel, introduzir Imagem: (legenda):  o acampamento do exército espanhol em Cantillana, antes de iniciar a invasão de Portugal no ano de 1580
“Relatione do Co. Stefano Angarano”, 1580, Biblioteca Marciana, Veneza

2º painel, texto sobre a imagem:
O segundo fresco continua a narrativa: em primeiro plano, o duque dá ordem de marcha às tropas desembarcadas, que seguem pelo litoral na direção de Azamor com o apoio da frota.

Fade segundo painel, introduzir Imagem: (legenda):  parada do exército espanhol antes da entrada em Portugal
“Relatione do Co. Stefano Angarano”, 1580, Biblioteca Marciana, Veneza

Parada do exército espanhol, 27 de Junho de 1580

3º painel, texto sobre a imagem:
O terceiro fresco descreve o cerco: em primeiro plano, vemos o duque, novamente a cavalo, a dirigir as operações; os canhões, que ocupam o mesmo primeiro plano, disparam, tal como os atiradores, mais á frente, protegidos por “paveses” de madeira; ao fundo, vemos o ataque concentrado num troço de muralha, à esquerda, os soldados aguardam que a mina, e depois um engenho de guerra, abram uma brecha na “cortina”.

Imagens (legenda): Manuel Godinho de Heredia, Cerco fortaleza do “Cunhale”, Dezembro-Março 1600, (livro, figura 328, p.506)

O cerco, que se associa ao confronto armado em campo aberto, consistia no culminar de uma campanha militar.

painel, introduzir Imagem: (legenda):  o itinerário do exército espanhol, Junho-Agosto  (livro, figura 311, p. 453)
“Relatione do Co. Stefano Angarano”, 1580, Biblioteca Marciana, Veneza

Zoom sobre o último desenho, lado direito, exércitos nas duas margens do rio, fade, introduzir:
Imagem (legenda): “Batalha de Alcântara”, 25 de Agosto de 1580, desenho à pena aguarelado, Biblioteca nacional, Lisboa (livro, figura 312, pp.454-455)

Texto a correr por cima das imagens que se seguem:
A maneira de colocar os soldados no terreno em formaturas de matriz regular, que a terminologia da época designava por “ordenar o esquadrão”, obedecia a um conjunto de regras juntando as tecnologias bélicas da época, a influência da antiguidade clássica, cálculos matemáticos e operações de geometria euclidiana e métodos de composição. A colocação dos soldados no espaço físico obedecia a princípios de composição como as relações de simetria e proporção. Trata-se, portanto, de mais um modelo de ocupação territorial com regras específicas.

Imagem (legenda) “Batalha de Alcácer Quibir”, gravura de João Batista in Miguel Leitão de Andrada, “Miscelanea”, 1629
Imagem (legenda)
Imagem (legenda) “Exército português na batalha de Alcácer Quibir”, códice 8570, Biblioteca nacional, Lisboa (livro, figura 208, p.293)
Imagem imagem geral do retábulo, zoom sobre cena complementar (legenda) cavalaria em formação de batalha, Simão de Abreu, “S. Bernardo”, 1580-1590, Charola do Caonvento de Cristo, Tomar (livro, figura 258, p.394)
Imagem (legenda) Diogo Álvares Correia, “O livro de Valo”, c.1576, BNP): “esquadrão”, (zoom, de grande aproximação de detalhe focada no centro, para imagem completa do desenho). Desaparece (“fade”) esta imagem e aparece (“fade”) diagrama (imagem 2, legenda/Luís Mendes de Vasconcelos, “Arte Militar”, 1612), com o quadrado central no lugar do desenho.

Imagem: Os soldados do esquadrão, Diogo Álvares Correia, c.1576


Posicionamento dos vários elementos tacticos em relação ao “esquadrão”, Luís Mendes de Vasconcelos, 1612.

A construção da forma militar quinhentista consiste num processo militar que se cruza com a concepção e realização do objecto arquitectónico: “the architecture of battle”, como escreveu Marco Fromissano: Trata-se, portanto, de mais um modelo de ocupação territorial com regras específicas, demonstrando assim o carácter visual da guerra do século XVI, plasmado na relação do desenho, como elemento conceptual, com o “corpus” doutrinal da guerra, e que as representações textuais e iconográficas da época tão eloquentemente o descrevem.